Um Tirésias

02/12/2021

- Marcio oinho, Marcio oinho, vem cá!

A meninada se divertia em volta dele. Puxa para lá, puxa para cá. - Toca Calypson pra gente - gritava um deles. Aquele corpo fétido, urinado, aos farrapos, girava com a viola na mão e com seu gargalo bem alto, cantarolava. Mas, nem todo dia é dia santo, na maioria das vezes, seu espírito não estava no clima dos infantes. Ao invés de voltar a ser criança, seus delírios o levavam a bancar o valentão e só sabia xingar e ameaçar quem vinha pela frente.

De rua em rua da pequena cidade caminhava aquela lenda viva, um Tirésias do sertão, olhinho baixinho para enxergar o cotidiano e grandão para ver além das traves corriqueiras. Muitas vezes, via e ouvia gentes da outra banda da vida. Vai lá saber o que acontecia, sei que todo povo provinciano ouvia a cada passo seu um burburinho de suas conversas. Delírio? Vidência? Alucinação? Não se sabe, ao certo. O que se sabe é que de quando em quando parecia que um outro se apoderava dele e ficava tão brabo que só remédios e polícia lhe dava jeito. Mas que jeito se dá a um miserável que já nasce com os pés sob a desgraça?

Rondavam umas histórias de violência e de gente pesada. Vai saber o que houve. O povo fala e Marcio oinho fazia umas coisas as quais não se dá para saber. O que sei é que ele caminhava por toda parte. Ganhava um prato de comida de um, uma xinga de outro, a comiseração duns, a repulsa doutros... Cada dia sua imagem ficava mais transparente e não sei dizer se Márcio fazia parte do mundo ou era mesmo um holograma de gente. Sei que hoje ninguém há de se incomodar com seu cheiro de mijo e com sua voz estridente.