Discurso de saudação às novas integrantes do MVL
Bom dia, confreiras e confrades. Bom dia a todas as pessoas que estão conosco presencialmente e virtualmente.
Hoje, 24 de fevereiro de 2021, torna-se um dia especial para a Academia Gloriense de Letras (AGL) e para o Movimento Via Láctea (MVL), pois este recebe novas integrantes, a saber: Claudia Emily Barreto, Fernanda Souza, Isis Gabrielle Silva, Maria Teresa do Nascimento Freitas, Orleane Santana Couto.
Estou felicíssima por dar as boas-vindas a essas cinco mulheres que integrarão, a partir de hoje, o Movimento Via Láctea. Receber nesta casa hoje somente mulheres, desperta-nos para a necessidade de rememorarmos a condição da mulher na sociedade. Nós mulheres tornamo-nos tais e tivemos longas e árduas lutas para chegarmos às salas de aula, às universidades, aos postos de trabalho, aos espaços políticos, às posições de prestígio. E é justamente pelas mãos e pelas vozes das tecelãs, das artesãs, das escritoras, das dançarinas, das atrizes, das professoras e de todas nós que escolhem a arte na sua diversidade que o fio das narrativas e da imaginação chega a meninos e meninas. Quem não lembra das histórias das avós, das mães, das tias, das irmãs mais velhas? Pois bem, é do seio familiar e comunitário que nossas artes emanam para a sociedade. Nem sempre tivemos espaço para levá-las à Casa Grande, no entanto, não chegarmos aos postos de reconhecimento não paralisou nenhuma de nós mulheres, continuamos levando a arte por onde passamos. Todavia, a história tem suas guinadas e nós lutamos para mudar este quadro. A AGL e o MVL sabem reconhecer o trabalho das mulheres e hoje louva Claudia Emilly, Fernanda, Isis Gabrielle, Maria Teresa e Orleane pela contribuição na educação e na cultura de Nossa Senhora da Glória.
Mulheres, sigamos à avante, há muito chão a ser desbravado. No Brasil, a cada sete horas, uma mulher é assassinada. Por isso, mulheres do MVL, façam dos seus artefatos artísticos instrumentos para a construção de uma sociedade mais igualitária. Somente a arte pode tocar-nos e mover-nos em direção à humanização, ao reconhecimento de que somos muitas e diferentes umas das outras. Portanto, ouçamos as diferentes mulheres falando a respeito de seus diferentes enfrentamentos. Tomo de empréstimo uma estrofe da nossa cordelista Claudia Emilly, que diz assim:
"Sou neta de um ferreiro
Sou filha de pescador
Sou nascida no sertão
Sergipana com amor
Do desafiando a sorte
De ver que filho de pobre
Pode sim ser escritor"
A cordelista é neta de ferreiro, filha de pescador, sertaneja, sergipana, pobre e escritora, o último adjetivo desloca-se do lugar comum que as/os filhas/os das/os trabalhadoras/es se encontram, já que a arte esteve ligada aos salões elitizados e a chamada arte popular é pouco vista. A escritora e agitadora cultural Emilly é um dos exemplos que fogem do esperado para a menina pobre. Por isso, reitero, é importante ouvir as diferentes mulheres.
Claudia Emilly, Fernanda, Isis Gabrielle, Maria Teresa e Orleane, neste dia festivo, em nome da AGL, agradeço pelo trabalho que têm desenvolvido na capital do Sertão e desejo que deem as mãos com mais mulheres, não se iludam com o mito da beleza ou com a vaidade que cega, sejam incansáveis na arte, na cultura, na educação em nossa cidade como forma de existir e resistir. Deixo especialmente para vocês e para aqueles/as que nos ouvem nesta manhã o poema Vozes-Mulheres, de Conceição Evaristo:
Vozes-Mulheres
A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem - o hoje - o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
O eco da vida-liberdade.
Iasmim S. Ferreira
Membro Efetivo da AGL, cadeira nº 25