Discurso de saudação ao acadêmico José Araújo
Minhas confreiras e confrades,
Senhoras e senhores,
Glorienses,
Nossa Academia, em festa, recebe hoje mais que um homem de letras, um profundo conhecedor da língua em todos os seus aspectos, sobretudo, um amigo das letras, um ilustre filólogo. Reconhecido, admirado e respeitado por sua fecunda trajetória de vida também como militante estudantil, educador, político, religioso e humanista. Coube a mim a elevada honra de proferir a oração de recepção ao querido Prof. José Araújo Filho em nosso digno Sodalício.
Embora muitos desconheçam, sua veia poética é também digna de nota. Quero, pois, abrir minha fala nesta noite, citando versos de sua lavra que muito dizem de sua personalidade:
"Rejeitar a polícia do olhar
que flagra
censura
aborta
o gesto de amor.
Banir o fiscal
que condena
agride
reprime
o gesto de amor"
Jardim das Orquídeas, Aracaju, 23.01.00
José Araújo Filho
A linguagem simples, sem floreios, denota o estilo claro de quem conhece bem as palavras e a língua com que opera e, a par da estética de seu tempo, fala do lugar do contemporâneo, libertando os versos das amarras da lírica tradicional.
A postura desse sujeito lírico em favor do outro, pela afetividade espontânea, reflete bem a abnegação do autor do poema em sempre conduzir suas ações em benefício do semelhante; traduz sua atitude, permanentemente, contrária a toda forma de policiamento, censura ou repressão; expõe seu caráter militante em defesa do que julga justo; revela seu atributo mais peculiar: o humanismo.
Nesse singelo poema, podem-se entrever os traços que distinguem seu autor. Ideias e atos que guiaram sua história de vida e o conduziram por diversos caminhos até o momento presente. É da trajetória desse grande homem que recebemos hoje em nossa Academia que passo a falar agora.
Teria vindo ao mundo pelas diligentes mãos das parteiras de Riachuelo, mas, após frustradas tentativas que se prolongaram por mais de 24 horas, sua mãe, Dona Jair Belém de Araújo, foi removida para a cidade de Aracaju e lá, em 11 de março de 1943, deu à luz o menino José Araújo Filho, um dos sete filhos desse segundo casamento de seu pai, José Araújo.
Senhor Araújo era prefeito e interventor na cidade de Riachuelo e Dona Jair Belém professora primária e proprietária de um colégio na mesma cidade, o Educandário Nossa Senhora da Conceição. Do primeiro herdou inabalável honestidade e seriedade e da segunda, a vocação para o ensino. Mesma vocação que compartilha com os irmãos Joana Angélica, Ruy, Maria Inês e Leonor. Apenas Wallace e Nanci não se tornaram educadores.
Foi apresentado às primeiras letras por sua tia Jacira no colégio de sua mãe, mas ainda carrega as marcas da rígida disciplina de Dona Judite e de professor Benedito, no colégio Jackson de Figueiredo, onde fez o primário. Marcas que se atenuam, por certo, quando misturadas às lembranças dos passeios na fazenda do avô, do burburinho da feira de Riachuelo e das brincadeiras na beira do rio Sergipe.
Era de uma das brincadeiras de infância que experimentava o despertar de sua vocação para mestre. Brincava de ensinar às plantas do jardim da casa de sua tia. Costumava fazer a chamada, Maria Dália, Maria Rosa, Maria Margarida... e ia repetindo com suas silentes e atentas alunas os ensinamentos que os professores lhe davam no colégio.
No Atheneu, fez o ginásio e o científico, eram assim denominados o equivalente ao Ensino Fundamental Maior e ao Ensino Médio. Ali bebeu dos saberes dos professores José Gesteira, Maria da Glória Monteiro, Aldeci Figueiredo, Áurea Melo, Glorita Portugal e Ofenísia Freire, digna patronesse da cadeira que passa a ocupar em nosso Sodalício.
Glorita Portugal foi sua primeira incentivadora nos estudos da Língua Francesa e Ofenísia Freire, tendo sido sua professora de Português por seis anos seguidos, foi a responsável por enredá-lo nas letras e seduzi-lo a trilhar os caminhos da história da Língua Portuguesa. Já, nesse período destacava-se no trato com a fina Flor do Lácio e dava aulas particulares para manter os estudos.
Notável pelo talento com as letras, a convite de sua amiga Gizelda Morais, integrou a Arcádia do Colégio Atheneu na cadeira do poeta Gonçalves Dias e, no jornal do Grêmio Clodomir Silva, publicou suas primeiras crônicas e poemas.
Em 1961, confirmando sua vocação, foi aprovado em primeiro lugar no vestibular e ingressou na Faculdade Católica de Filosofia para o curso de Letras Neolatinas. Ali ampliou ainda mais seu cabedal com as aulas de Dom Luciano Cabral Duarte, Frei Edgar Stnikowsk, Carmelita Pinto Fontes, José Rollemberg Leite e Gonçalo Rollemberg Leite.
Ainda no primeiro ano do curso superior, iniciou sua vida no magistério, ensinando Latim e Francês no Ginásio Professora Possidônia Bragança, em Laranjeiras. Desde então, lecionou em diversos colégios de Aracaju, entre os quais o Arquidiocesano Sagrado Coração de Jesus, o São José e o Colégio de Aplicação.
Dois anos antes de terminar o curso superior, em 1962, graças ao incentivo da professora Rosália Bispo dos Santos, concluiu o curso de Língua Francesa e obteve a menção très bien avec félicitacion, da Aliança Francesa.
Religioso e atuante, integrou a Equipe de Direção da Juventude Universitária Católica (JUC). Esta experiência, segundo seu próprio relato, serviu-lhe como escola política, pois, na época, várias entidades católicas, sensíveis ao contexto político e à crise pela qual passava o país, aprofundaram tanto esse tema, que a JUC, após o Golpe Militar de 1964, foi proibida de existir.
Militante na política estudantil, foi presidente do Centro Acadêmico Jackson de Figueiredo e Segundo Tesoureiro da União Estadual dos Estudantes. Atuou junto a nomes como Luiz Eduardo Costa, Alexandre Diniz e Guido Azevedo. Participou dos congressos nacionais da UNE, em Santo André (SP) e Petrópolis (RJ) e, concluindo a faculdade, foi o ilustre orador da turma de formandos de 1964.
Em 1966, efetivou-se como professor da Faculdade Católica de Filosofia. Dois anos depois, pela incorporação das escolas superiores existentes em Sergipe, foi criada oficialmente a Universidade Federal de Sergipe. Na UFS, iniciou uma longa e profícua trajetória na cadeira de Filologia Românica, que assumiu em 1970. Um ano antes, porém, já havia assumido também a direção do Colégio de Aplicação.
Na UFS, lecionou, por eventuais necessidades, as disciplinas de História da Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Linguística. Coordenou durante oito anos a correção de provas de redação do concurso vestibular e, em várias ocasiões, respondeu pela direção do Departamento de Letras. Também integrou o Conselho Universitário e o Conselho de Ensino e Pesquisa e foi paraninfo de inúmeras turmas.
Fluente em Alemão, Francês, Espanhol, Inglês e Italiano e estudioso do Hebraico, Latim, Galego e Grego, fundou o Instituto Sergipano de Idiomas, que funcionou por dois anos, mas teve que deixá-lo, em 1970, por causa da bolsa de estudos que recebeu na Alemanha. Lá, na cidade de Münster, sob a orientação do filólogo Heinrich Lausberg, especializou-se em Filologia Românica. Depois, a convite da Embaixada da Espanha, fez também curso de atualização na Língua Espanhola, na cidade de Salamanca. Tempos depois, fundou o Núcleo de Cultura Alemã na UFS, em trabalho conjunto com o professor Heinz Dieter Heidemann, hoje professor da USP.
De 1975 a 1990, foi membro do Conselho Estadual de Cultura, atuando na Câmara de Letras e Artes. Fez parte do núcleo criador da ADUFS, órgão sindical dos professores da UFS.
De 1978 a 1980, foi administrador estadual da Campanha das Escolas da Comunidade (CNEC). Em sua administração, foram fundados os colégios de Propriá, Campo do Brito, Ribeirópolis, Carira e Frei Paulo.
Em 1991, após inúmeros e valiosos serviços prestados, aposentou-se da UFS por tempo de serviço, embora tenha retornado várias vezes à instituição, como Professor Substituto. Em alguns desses retornos, lecionou no Projeto de Qualificação Docente - PQD nos polos de Propriá, Estância, Lagarto, Itabaiana e Nossa Senhora da Glória.
Aqui tivemos a honra e o privilégio de receber um pouco do conhecimento acumulado em toda sua trajetória de vida. Como soia dizer, citando Camões, "um saber só de experiências feito". Muitos de nós bebemos desse saber, e, elencando apenas alguns nomes da turma em que estudei, é possível verificar a influência positiva de sua atuação em nossa cidade. Foram seus alunos o nosso atual prefeito, Francisco Carlos, a nossa atual Secretária de Educação, Maria Rosivânia, e os nossos ilustres professores Hugo Hudsney, Carlos, Jailton, Maria do Carmo e Maria Andrade.
Ao final do curso de Letras do PQD I, lançou-nos a proposta de criarmos aqui em Glória uma instituição cultural que pudesse congregar pessoas solidárias em prol do desenvolvimento cultural, intelectual, artístico e humanitário da região. Nascia assim, em 2001, a Associação Cultural do Sertão Sergipano (ACSER), da qual se tornou o primeiro vice-presidente.
Em sua instalação, a ACSER promoveu a conferência "A conquista do território e as regiões culturais sergipanas", proferida pelo notável prof. Dr. Luiz Fernando Ribeiro Soutelo, e a palestra "História da ortografia da Língua Portuguesa", proferida pelo inesquecível Prof. João Costa.
Em 2002, a ACSER realizou, em ação conjunta com o Projeto Protagonista Juvenil, o 1º FAC (Festival de Arte e Cultura de Nossa Senhora da Glória), evento que abriu espaço para artistas locais, promoveu minicursos e palestras e revelou talentos, estimulando a produção cultural.
Lamentavelmente, a ACSER manteve-se por pouco tempo em atividade, mas semeou a idéia, legou-nos a semente que, posteriormente, brotou assumindo novos contornos, como a Associação Cultural Sertão na Arte e a nossa querida Academia Gloriense de Letras.
É preciso ainda que se destaque a atuação do Prof. José Araújo na vida política do Estado. Contribuiu para o Partido dos Trabalhadores nos primeiros anos de sua implantação em Sergipe. No entanto, sua primeira filiação partidária foi no Partido Verde, do qual foi um dos fundadores em Sergipe, a convite de Fernando Gabeira. Embora tivesse sido o grande articulador para a formação do partido, não aceitou sua presidência, ficando responsável pela burocracia organizacional.
Em 1994, candidatou-se a Governador do Estado pelo PV e, mesmo não tendo sido eleito, foi convidado pelo Governador eleito, Albano Franco, para compor sua equipe, assumindo a Secretaria de Estado do Meio Ambiente, cargo que exerceu de 1995 a 1998. Representou Sergipe como membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente de 1995 a 1997, ano em que foi condecorado pelo Governo do Estado com o Galardão da Grã-Cruz da Ordem do Mérito Aperipê.
Cumpre-nos informar que a Medalha do Mérito Aperipê é a mais alta condecoração oferecida pelo Governo do Estado a cidadãos que apresentam um histórico de comprometimento com questões relevantes para a cidadania, a cultura, as artes, e a busca da construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Desfiliou-se do PV em 1998, filiando-se, posteriormente, ao Partido Popular Socialista, porém sem atuação política.
Foi ainda professor da Faculdade Ages, em Paripiranga, Bahia, de 2001 a 2006. É autor do livro "Língua Portuguesa: Sintaxe", adotado no curso de Letras do CESAD/UFS, na modalidade de Educação à Distância. Atualmente, é professor na Faculdade Atlântico, na Faculdade Tobias Barreto e no Seminário Nossa Senhora da Conceição da Arquidiocese de Aracaju, onde é titular das disciplinas Latim e Grego. Exerce também o cargo de Assessor da Presidência da Câmara Municipal de Aracaju, para revisão de textos.
Como parte das comemorações pelos 43 anos de sua fundação, a UFS realizou em 2011, Sessão Solene dos Conselhos Superiores para outorga de títulos, na qual Professor José Araújo recebeu o título de "Professor Emérito", destinado aos que se aposentaram e alcançaram posição eminente na pesquisa ou no ensino.
Recentemente, em dezembro de 2013, foi nomeado, como representante da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo de Sergipe, para compor o grupo de Leigos Carmelitas que assessora o Conselho Geral da Ordem, em Roma. Convidado pelo Provincial e pelo Frei Raúl Maravi, Conselheiro para a América Latina, Prof. José Araújo é hoje o representante do Laicato latino-americano.
Entre suas atribuições na Ordem Carmelita, além das reuniões anuais do Conselho em Roma, está a atividade de tradutor. Já traduziu "Reflexões místicas, espirituais", um livro de Jean de Saint-Samson, escritor francês do século XVII, frade carmelita. Esta é a primeira tradução da obra para a língua portuguesa. A edição é de circulação interna na Ordem. Traduziu também "La pratique essentielle de l'amour" (A prática essencial do amor) e continua a traduzir outras obras do autor, inclusive, está adiantado na tradução de um manual clássico de formação dos frades carmelitas, o "Institutio Primorum Monachorum", em latim medieval.
Admirado e respeitado por todos, reconhecido entre seus pares, foi eleito, por unanimidade, para integrar nosso corpo acadêmico.
Sem dúvidas, seu ingresso na AGL é um presente que enriquece nosso Sodalício e eleva esta incipiente agremiação de letras.
Finalizando minha fala, gostaria de compartilhar com os presentes um trecho de um de seus poemas que declamei durante a Aula da Saudade, ao final do curso de Letras do PQD:
"Não passamos em vão
Um pelo outro
Nossas marcas decalcam a pele,
A minha,
A tua,
E grafitam nossas almas" (...)
Lagoa do Mato (Porto da Folha), ao pôr-do-sol, 29.01.00
José Araújo Filho
Prof. José Araújo Filho, a história cultural de Nossa Senhora da Glória já tem sua marca grafitada nas almas glorienses, mas muito ainda haverá de contribuir para a formação de nossa tradição literária como um imortal da Academia Gloriense de Letras, a partir desta data.
Meu querido Prof. Araújo, tive o privilégio de chamá-lo mestre, tenho a grande alegria de tê-lo como amigo e, agora, a imensa honra de recebê-lo como confrade em nossa AGL. Seja muito bem-vindo ao nosso meio!