Discurso de saudação à acadêmica Iasmim Ferreira

31/08/2019

Minhas confreiras e confrades,

Senhoras e senhores,

Glorienses,

Em festa, na noite de hoje, nossa AGL recebe três mulheres notáveis. Coube a mim a felicidade e a honra de saudar uma filha da terra que fez das letras seu baluarte, à querida Iasmim Santos Ferreira. Competente pesquisadora da nossa língua e literatura, sobretudo, do legado do imortal Machado de Assis, ela soube conquistar o respeito e o reconhecimento de seus pares, sendo admirada por sua trajetória de estudante, pesquisadora, educadora e escritora.

É certo que a ficção literária constrói uma realidade própria, mas em toda obra, seguramente, encontramos seu autor. Para Mário de Andrade, "há uma gota de sangue em cada poema". Assim, gostaria de abrir minha fala citando um trecho de uma das crônicas de Iasmim, publicada na segunda antologia do Encontro Gloriense de Escritores e Leitores, em 2016:

Eu, a nova Vida, ou a sua Vida verdadeira, decidi tomar a palavra para na voz poética dar vazão ao seu eu e deixar perceber que a sua vida cria asas e voa longe..., mas jamais deixará de ser sua ou de no meu voo partilhar do desejo inato de você voar junto. Não quero que se menospreze ou que nos nutramos uma da outra como meras egoístas, mas desejo que voe também, que rompa medos e anseios, que tome as asas da alvorada e se perca no azul celeste do céu.

FERREIRA, Iasmim S., in: "A Glória das Letras no Sertão das Palavras", 2016.

Essa voz que decide tomar a palavra está empoderada. Seu estilo direto é o de uma mulher que, embora ainda muito jovem, entende a si e ao outro e sabe o poder da palavra de ressignificar o ontem e escrever o amanhã. Compreende as vozes entrecruzadas na identidade do eu e percebe que seu voo de agora não é solitário, mas carrega consigo os anseios de quem não voou, de quem teve suas asas partidas pelas circunstâncias da própria existência. É uma voz consciente e solidária, decidida a emancipar-se plenamente, mas, sobretudo, desejosa da emancipação do outro também, uma voz que afirma: "eu sou porque nós somos".

Essa postura de determinação e empatia, de garra e afetividade, reflete a abnegação da autora na condução das ações em prol de suas metas e em benefício do semelhante; traduz sua atitude, permanentemente, contrária a toda forma de submissão, censura ou repressão; expõe seu caráter militante em defesa do que julga justo; manifesta seu humanismo e dissolve a ilusão de "apenas um rosto bonito", revelando uma mulher forte, decidida, competente.

Nesse pequeno trecho de sua escrita literária, podem-se entrever os traços que distinguem a autora. Posturas que definiram sua história de vida e a conduziram até o momento presente. É dessa trajetória que passo a falar agora.

Em um mês frio de agosto como este, para surpresa de todos, ela brotou como uma flor no seio de sua família, trazendo um perfume que irmanava e irradiava luz, que unia a todos em sua volta, um perfume capaz de corromper qualquer nota de indiferença, de converter qualquer sentimento em amor. Era forçoso que lhe descem o nome de Iasmim, jasmim, menina-flor.

Imagino a lágrima alegre cintilando nos olhos de sua avó quando pronunciou as primeiras palavras: "Vovó Lídia", ou os sorrisos desmedidos que arrebataram Ana, tanto quanto Mariana, para iluminá-las por inteiro, quando ouviram "mamãe", ou mesmo a alegria desconcertante que fez Antônio (Gibi) tremer ao ouvir "papai". Ela chegou para transformar histórias, abrir caminhos, criar laços, ressignificar vidas. E foi regada com muito amor por todos.

Estudiosa e dedicada desde muito pequenina: primeiro cumpria as tarefas escolares, depois brincava. Foi na escola Tiradentes que se deixou encantar pela escrita. Quem a enfeitiçou com o mistério das letras? A professora Maria do Carmo, nossa confreira aqui na AGL. Quando começou a estudar com Maria, passou a chegar em casa ávida para compartilhar com os familiares as descobertas que tinha feito nas aulas de língua portuguesa. Foi aí que, em 2008, com apenas 14 anos, uma notícia despertou todos os olhares da comunidade escolar para aquela inteligente menina. Teve sua redação (Qual tem sido nossa consciência sobre a importância do meio ambiente?) classificada na II Olimpíada Ambiental de Sergipe. No mesmo ano, conquistou o 2º lugar no Concurso "Olho Vivo no Dinheiro Público", promovido pela CGU. E foi nesse momento que nossos caminhos se cruzaram pela primeira vez.

Tive a alegria de tê-la em minha oficina de Literatura de Cordel e pude me encantar com seu talento e simpatia. Gostaria de compartilhar com vocês algumas estrofes que ela produziu naquela ocasião:

"Saudade é o que deixou,

Digo isso com emoção.

As tardes que tive aqui

Levo em meu coração.

As poesias de cordel,

Que me levam até o céu,

Fazem a mais linda canção.


Despertou em nós paixão,

Agora vou versejar

Toda essa trajetória

Que tivemos de cantar,

Aprendemos de repente,

Mas foi tão sinceramente,

Os versos e seu rimar".


FERREIRA, Iasmim S., Aprendendo Cordel - os frutos da oficina, 2008. Disponível em: https://www.overmundo.com.br/overblog/aprendendo-cordel-os-frutos-das-oficinas

Em 2009, continuou colhendo os frutos de sua trajetória nas sendas das letras. Teve sua crônica "Salve-nos: a água potável está acabando e o homem não se deu conta ainda" classificada entre os melhores textos na III Olimpíada Ambiental de Sergipe. Enquanto isso, outras portas iam se abrindo: realizava-se e emancipava-se com seu primeiro emprego na Caixa Econômica Federal, em Glória/SE, onde atuou por nove anos.

Quando nossos caminhos se cruzaram pela segunda vez, ela já estava no terceiro ano do Ensino Médio. Era uma menina madura e preparada para avançar ao ensino superior. Pouco pude contribuir, efetivamente, para sua formação, pois Iasmim já me chegara pronta na sala de aula. Aprendi com ela e, talvez, tenha ensinado algo. Assim, tornou-se uma das minhas interlocutoras nos debates sobre língua e literatura, mas já determinada a fazer jornalismo. Quando foi aprovada em Jornalismo e Letras, penso que a memória afetiva das aulas de Maria do Carmo deve ter falado mais alto e a fez optar pelas letras, seguindo o caminho que a trouxe aqui.

E seguiu brilhantemente. Graduou-se em Letras/Português pela Universidade Federal de Sergipe, campus Prof. Alberto Carvalho, em 2018. Imediatamente, ingressou no mestrado acadêmico em Letras, na área de Estudos Literários, na mesma universidade. Durante a graduação, participou do Programa Institucional de Iniciação Científica e do Programa de Extensão, como voluntária, e continuou colhendo os frutos de sua competência e determinação. Em 2016, tirou o primeiro lugar no "Prêmio Destaque" em Linguística, Letras e Artes, na UFS. No ano seguinte, teve sua pesquisa classificada em segundo lugar. Em 2018, teve mais uma pesquisa ocupando o segundo lugar, esta recebeu também uma menção honrosa na 70ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Pesquisa Científica, ficando entre os dez melhores trabalhos do Brasil na área de Letras. Tem participado de eventos científicos em todo o país, divulgado suas pesquisas por meio de artigos científicos em revistas acadêmicas, anais e publicações digitais. Em 2019, participou do livro "Tradições cômicas na literatura brasileira do século XIX" com um artigo em coautoria com a Profa. Dra. Jacqueline Ramos. Possui oito textos literários publicados em antologias.

Suas escolhas e as oportunidades que teve a tornaram uma mulher forte, ativa e consciente de seu papel na sociedade. Aliando seu ativismo ao amor pelas letras, reuniu-se a outras quatro mulheres notáveis e fundou o clube de leitura "Leia Mulheres" em Nossa Senhora da Glória/SE, que vem desenvolvendo um trabalho magnífico ao longo deste ano de 2019, despertando leitores e leitoras, convidando-os à reflexão e à fruição da literatura produzida por mulheres, promovendo uma revolução silenciosa, edificando, pedra a pedra, o mundo mais justo e igualitário em que deseja viver. Atualmente, leciona as disciplinas Literatura e Arte no Ensino Médio.

E assim Iasmim tomou e toma a palavra. Faz dela seu prazer e seu ofício, sua arte e sua luta.

E como é necessário tomar a palavra! Numa época em que fantasmas do passado voltam a assombrar, nesse momento em que o conhecimento passou a ser visto com desconfiança e as palavras tendem a ser silenciadas, mais do que nunca é preciso tomar a palavra, romper os medos e torná-las asas com as quais se ganhe o azul.

Finalizando minha fala, permitam-me compartilhar uma estrofe de um poema meu, que aqui dedico a Iasmim, às novas confreiras que ingressam na AGL esta noite, e a todas as demais confreiras de nosso digno Sodalício:

Quando uma mulher escreve

Abre asas, rompe o vento,

Liberta seu pensamento,

Com voz ativa se atreve

Traça seu rumo e descreve

Sua própria trajetória,

Finca um marco na história,

Convida as outras à luta,

O "Bom Combate" disputa

E conquista a própria Glória.


Jorge Henrique, Nossa Senhora da Glória, 2019

Iasmim Santos Ferreira, a história da educação e da cultura de Nossa Senhora da Glória já tem sua marca, mas muito ainda há de contribuir para a emancipação plena de nosso povo e para a formação de nossa tradição literária como uma imortal da Academia Gloriense de Letras, a partir desta data.

Minha querida, tive a felicidade de tê-la como aluna, tenho a grande alegria de tê-la como amiga e, agora, a imensa honra de recebê-la como confreira em nossa AGL. Seja muito bem-vinda ao nosso meio!