Construindo leitores

27/07/2016

Jorge Henrique Vieira Santos

Texto publicado originalmente em 04 de junho de 2012 em meu blog (Poeta Jorge Henrique), depois que recebemos a visita de Evando Santos, o homem-livro, em Nossa Senhora da Glória. Eis o início de tudo:

"Era ele que erguia casas

Onde antes só havia chão.

Como um pássaro sem asas

Ele subia com as casas

Que lhe brotavam da mão".

O operário em Construção

(Vinícius de Moraes, 1956)

No poema em epígrafe, o poeta Vinícius de Moraes descreve a trajetória de um operário - um pedreiro - que, a partir de sua própria condição existencial inicia um processo de tomada de consciência de seu lugar dentro do perverso modelo de produção econômica e social que o oprime. Esse pedreiro, à medida que vai construindo sua consciência política e emergindo da mais absoluta alienação, começa a desvelar os mecanismos opressores da sociedade capitalista e assume uma postura de resistência, por meio de palavras e ações. Diz "não" à opressão, não se curva às violências que lhe são infligidas por causa de sua atitude e decide incentivar os demais operários a se emanciparem.

Hoje venho falar a vocês de um operário como esse, o pedreiro Evando Santos, que esteve em Nossa Senhora da Glória - SE entre os dias 30 de maio e 02 de junho, e que, entre outras atividades, proferiu uma palestra na câmara de vereadores para um pequeno público de grande entusiasmo.

Natural de Aquidabã - SE e radicado no Rio de Janeiro há 37 anos, Evando viveu imerso num mundo sem letras ao longo de sua infância e adolescência, só aprendeu a ler aos 18 anos. Desde então, apaixonou-se pela palavra escrita e, assim como empilhava tijolos no canteiro de obras onde cumpria a lida diária, passou também a empilhar em sua casa os volumes dos inúmeros livros que lia.

Empilhando tijolos e erguendo casas, devorando letras e acumulando livros, Evando disse "sim" ao conhecimento e se foi construindo um ávido leitor dos clássicos e um aficionado bibliófilo. Com suor, cimento e letras, fez-se homem emancipado, consciente, e, reconhecendo a transformação que os livros produziram em sua vida, decidiu agir: transformou a própria casa numa biblioteca comunitária. Resistindo a todas as circunstâncias que o pressionavam a resignar-se à condição imposta pelo senso comum, o pedreiro decidiu construir leitores e se dedicou firmemente a essa ideia.

Resultados de sua ação?

Dentre os inúmeros prêmios, medalhas e títulos que recebeu em todo o país, foi presenteado por Oscar Niemeyer com o projeto arquitetônico da Biblioteca Comunitária Tobias Barreto de Menezes, cuja construção foi financiada pelo BNDES com R$ 650.000,00. A biblioteca tem atualmente um acervo de 52.000 títulos. O homem-livro, como ficou conhecido internacionalmente, tornou-se tema de dois documentários - premiados, respectivamente, no Festival de Brasília e na 12ª Mostra Internacional do Filme Etnográfico do Rio de Janeiro. Sua vida inspirou o escritor italiano Remo Rapino a escrever o livro "Um quintal de palavras". Com sua determinação inabalável, Evando ajudou a fundar 37 bibliotecas comunitárias pelo Brasil, chegando, também, a enviar 4.000 livros para Angola.

Da mesma forma que o operário do poema de Vinícius, este aqui, olhando para as próprias mãos (que sempre ofertam livros), percebeu que não há no mundo coisa que seja mais bela, pois também descobriu que em suas mãos está o poder de transformar o mundo, de emancipar o homem, de tornar a vida melhor.

Foi essa a semente que ele veio lançar em terras glorienses. Em sua profícua conversa com alguns poetas da terra, relatou suas conquistas, realizações e projetos. Descreveu, sobretudo, as ações de incentivo à leitura e de valorização da cultura local, que vem promovendo à frente da biblioteca que fundou na Vila da Penha. Seu entusiasmo e determinação contagiaram a todos.

Dizia Hannah Arendt que não são as ideias que provocam mudanças no mundo, mas as ações. Assim, a semente está lançada, agora é o momento de agirmos, para que as mudanças aconteçam. Um fruto já começou a germinar: a possibilidade de se criar uma Academia Gloriense de Letras, que também possa atuar construindo leitores e, consequentemente, novos escritores na Capital do Sertão.